Artigo: Divórcios e o poder da ofensa
Olá maravilhosas e maravilhosos,
Com muita alegria recebi o convite do Blog Causos & Causas para escrever alguns textos sobre Direito.
Então, a partir de hoje, durante o mês de junho, assinarei uma série de textos que ousei denominar de Direito e Vida.
Por que esse nome?
Porque muitas pessoas imaginam que o que acontece em uma audiência, no fórum, é algo que se refere tão somente ao direito e à lei. E não é. Já dizia o grande Pontes de Miranda “quem só sabe Direito, nem Direito sabe”. Direito é vida, é a regulação das relações e é por meio da vida, dos acontecimentos da vida, que o Direito acontece.
Então, eu espero, do fundo do meu coração, contribuir um pouco com a compreensão sobre o Direito aplicado ao caso concreto e o desenrolar da vida.
Com carinho,
Ana Carolina Santana – Juíza de Direito
DIVÓRCIOS E O PODER DA OFENSA
Sem dúvida nenhuma, as audiências de conciliação em demandas de direito de família são as mais desafiadoras.
Primeiro porque são situações que carregam muitos sentimentos e o silêncio de palavras não ditas ou o arrependimento de feridas abertas por atitudes impensadas.
Em uma audiência para tratar de divórcio e suas consequências, há uma atmosfera de mágoa, um “peso” bem característico que sentimos na sala. Costumo conversar com minha equipe antes sobre as questões que devemos observar naquele momento, são questões extrajurídicas, e observando de fora conseguimos aprender com cada uma daquelas situações. Conseguimos ter a percepção do poder que uma ofensa tem e o quanto isso pode paralisar nossas vidas.
Cada processo tem sua especificidade, são situações diferentes, acontecendo com pessoas diferentes, mas em todas elas há algo em comum: o poder da ofensa.
E uma dessas audiências chamou minha atenção de modo particular. Ao explicar o que tinha ocorrido no âmbito do casamento, a mulher se referia muitas vezes a um determinado acontecimento, que era o fato da sua sogra, certo dia, ter dito “você não vai se casar com ele”.
Lembro que a demanda tratava da regulamentação de visitação dos filhos adolescentes que eram impedidos de ter acesso ao pai. E de forma reiterada, essa mulher tentava justificar aquelas atitudes no fato de ter ouvido da sua sogra, que já estava com mais de 80 anos, que ela não se casaria com o agora ex marido.
Foi quando eu perguntei: quando foi que ela disse isso?
Para minha surpresa, a resposta foi: há 24 anos, quando namorávamos.
Aquela mulher estava presa, de forma cruel, àquele passado, àquela ofensa.
Isso a impediu de viver coisas novas, de alimentar seu casamento com amor e cuidado. Esse é o poder da ofensa, na verdade, eu diria que é o poder que a ofensa tem de destruir nossas vidas quando nos agarramos a ela. Ofensa não é algo para ser abraçado, colocado no bolso, para nos acompanhar para onde formos.
Há quase uma década eu realizo audiências nesse sentido e me impressiona o quanto as pessoas deixam de viver bons momentos, coisas novas, quando elas permanecem nesse lugar da ofensa.
Ressignifique a sua vida! Busque compreender por que aquelas palavras te ofenderam tanto e, principalmente, de forma objetiva e prática, por que aquela pessoa disse aquilo.
Muitas vezes as pessoas nos falam coisas que nos machucam profundamente, mas que no dia seguinte elas nem lembram o que disseram. Porque somos nós que escolhemos a importância que damos à ofensa. Somos nós que a colocamos em um verdadeiro altar nas nossas vidas.
E pode até existir muito amor em um relacionamento, mas é muito difícil ele sobreviver a esse poder que foi dado à ofensa.
Naquelas salas de audiência percebo que muitas pessoas ainda não conseguem compreender o que aconteceu para que chegassem até ali. Muitas inclusive se amam, mas não conseguem superar esse lugar e passam para o nível do ataque, da retribuição do mal provocado, de querer o reconhecimento do erro, o pedido de desculpas.
Esse lugar não pertence aos casamentos saudáveis, às uniões saudáveis.
Saiam desse lugar da ofensa. Olhem para o futuro. Conversem sobre o que sentem em uma perspectiva de compreensão e empatia. O lugar do outro é muito difícil. O nosso também. Todos nós temos demandas e traumas, cada um de nós temos compreensões diferentes sobre determinadas situações. Mas uma coisa é certa, a forma como reagimos ao modo que nos tratam é de responsabilidade inteiramente nossa. E é somente isso que podemos controlar, não podemos controlar o outro, nem o que ele diz e pensa, mas a forma reagimos, sim!
Que possamos construir relacionamentos saudáveis e casamentos felizes partindo do pressuposto de que o diálogo é sempre o melhor caminho.
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