Bastidores do Controle: advogado esclarece funções de TCE-PE e MPPE na fiscalização de prefeitos e vereadores

Os mecanismos de controle externo sobre a gestão pública municipal foram o tema central do episódio Causos & Causas da ELLO TV, exibido na última quarta-feira, 30 de abril. O programa recebeu o Dr. Júnior Valeriano, advogado municipalista com 12 anos de atuação na área, especialista em processo civil, administração pública e processo legislativo, além de ex-procurador de diversos municípios e câmaras municipais em Pernambuco.

Dr. Júnior Valeriano, que veio de Custódia para a entrevista, destacou a satisfação em poder esclarecer para a população o funcionamento dos órgãos de controle, como o Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco (TCE-PE) e o Ministério Público de Pernambuco (MPPE), no que se refere à fiscalização e julgamento de prefeitos e vereadores.

Em sua trajetória profissional, Dr. Júnior, revelou que desde cedo sabia que seguiria a área jurídica, embora não necessariamente a advocacia no princípio, aspirando a cargos no judiciário. A paixão pelo direito municipalista surgiu ao longo da atuação, impulsionada pelo interesse por política e pela crença de que é nesta área que se pode transformar a vida das pessoas. Embora tenha considerado a possibilidade de entrar na vida política como candidato a vereador, optou por contribuir nos bastidores, onde acredita ter maior impacto atualmente.

Os órgãos de controle em Pernambuco

Os principais órgãos de controle externo no estado de Pernambuco são o Tribunal de Contas do Estado (TCE) e o Ministério Público de Pernambuco (MPPE).

  • Tribunal de Contas do Estado (TCE): É um órgão auxiliar do Poder Legislativo, embora não pertença a ele nem ao Poder Judiciário. Possui independência e autonomia financeira e estrutural. O TCE tem a função de fiscalizar e, em algumas situações específicas, julgar. É o responsável por verificar se os recursos públicos estão sendo aplicados de forma devida.
  • Ministério Público de Pernambuco (MPPE): Atua como agente fiscalizador da legalidade e da garantia dos direitos fundamentais. Sua prerrogativa é acompanhar se a lei está sendo aplicada corretamente. O MPPE não tem o poder de julgar ou determinar condutas, nem aplicar sanções diretamente. Sua força reside na possibilidade de, ao identificar irregularidades, entrar com ações, como ações de improbidade administrativa, para responsabilizar gestores, secretários ou ordenadores de despesa.

“É importante notar que nenhum desses órgãos depende necessariamente de provocação para agir; podem tomar a iniciativa ao identificar possíveis irregularidades”. No entanto, o Dr. Júnior Valeriano explica que, na prática, “o Ministério Público muitas vezes age após ser provocado, devido à limitação de estrutura e pessoal para abarcar todas as demandas, que vão desde a área da infância e juventude até crimes ambientais. O Tribunal de Contas, por sua vez, consegue instalar auditorias de forma autônoma e prévia para identificar e corrigir supostas irregularidades antes mesmo de penalizar”.

TCE, MPPE e o Ministério Público de Contas (MPCO)

Uma distinção crucial é feita entre o Ministério Público Estadual (MPPE) e o Ministério Público de Contas (MPCO). “O MPCO é um órgão que atua junto ao Tribunal de Contas, composto por procuradores (não promotores) com concursos e atuações diferentes do MPPE. O MPCO auxilia os conselheiros e auditores do TCE como fiscalizadores da lei. Eles acompanham atos, pedem a instauração de auditorias e, por exemplo, verificam se as Câmaras cumprem prazos para julgar contas”. 

Os pareceres do MPCO, embora não vinculativos, são geralmente bem elaborados e respeitados pelos conselheiros do TCE. O MPCO também pode provocar os órgãos de controle, solicitando auditorias e acompanhando as prestações de contas.

Julgamento de contas: Governo vs. Gestão

Dr. Júnior explica que há dois tipos principais de prestações de conta fiscalizadas pelo TCE:

1.  Contas de Governo: Referem-se às políticas macroeconômicas e ações políticas como um todo. Avaliam o cumprimento de limites constitucionais, como aplicação mínima de recursos em educação (25%) e saúde (15%), e o limite de gastos com pessoal (60%, sendo 54% para o executivo e 6% para o legislativo). Estas contas são apresentadas pelo executivo e legislativo ao TCE. 

O TCE emite um parecer prévio. A Câmara Municipal é quem dá o aval final, julgando as contas de governo. Para modificar o parecer prévio do TCE (seja para aprovar contas que vieram com recomendação de rejeição, ou vice-versa), é necessário um quórum qualificado de 2/3 dos vereadores. Embora o parecer do TCE não seja vinculativo para a Câmara neste caso, sua modificação exige essa maioria qualificada. A rejeição das contas de governo pela Câmara geralmente causa a inelegibilidade do gestor.

2.  Contas de Gestão: Referem-se aos atos de gestão específicos, praticados pelo ordenador de despesa, como atos de contratação ou despesas em geral. Nesse caso, o Tribunal de Contas é quem julga diretamente, e a decisão não precisa de ratificação da Câmara Municipal. 

O Dr. Júnior Valeriano esclarece que as contas de gestão não tornam o gestor inelegível automaticamente. “No entanto, o TCE pode encaminhar o dossiê dessa prestação de contas para o Ministério Público Estadual tomar as providências cabíveis, que podem resultar em ações (como improbidade administrativa) que, aí sim, podem levar à inelegibilidade”. 

Uma decisão recente do STF (ADPF 982) ratificou a competência dos Tribunais de Contas para julgar atos de gestores como ordenadores de despesa, confirmando a aplicação de sanções ou devolução de valores, mas sem inelegibilidade automática por esta via.

O julgamento das contas pelo TCE, tanto para o parecer prévio de contas de governo quanto para o julgamento de contas de gestão e auditorias, passa por uma análise inicialmente técnica pelos auditores. Contudo, a decisão final pelos conselheiros pode conter um viés político, embora a atuação dos técnicos e conselheiros do TCE esteja cada vez mais vinculada aos ritos e normas internas. “O TCE busca corrigir irregularidades e não apenas punir, considerando se o gestor corrigiu a falha no decorrer do processo”.

Caso a Câmara Municipal julgue as contas de governo de forma diferente do parecer do TCE, é necessário apresentar uma justificativa técnica para essa decisão, para que o TCE e o Ministério Público possam fiscalizar se não houve perseguição política ou falta de fundamentação. A decisão da Câmara pode ser questionada judicialmente. 

O judiciário não interfere no mérito da decisão legislativa, mas pode suspendê-la ou anulá-la caso identifique vícios processuais (como desobediência ao regimento interno da Câmara) ou perseguição política.

Quem é fiscalizado?

Dr. Júnior Valeriano explica que a fiscalização do TCE e MPPE não se restringe apenas a prefeitos e presidentes de Câmaras. Qualquer ordenador de despesa está sujeito a essa fiscalização. Isso inclui secretários municipais, diretores de fundos previdenciários, entre outros.

“O prefeito é julgado nas contas de governo e pode ser ordenador de despesa em certas áreas. No entanto, muitas vezes, o prefeito delega a função de ordenador de despesa a seus secretários. Nesses casos, o secretário é o principal responsável pelos atos praticados como ordenador. O prefeito só será responsabilizado se for identificado que houve conivência, omissão ou participação direta em atos irregulares praticados pelo ordenador de despesa”.

É comum, segundo o Dr. Júnior Valeriano, que secretários (ordenadores de despesa no papel) sejam responsabilizados e sofram sanções, enquanto o prefeito não, especialmente em situações onde o secretário não tem gerência real sobre os atos, mas apenas a assinatura formal.

Erros comuns que levam a sanções

O TCE identifica condutas irregulares recorrentes que levam a sanções. Os erros mais comuns cometidos por ordenadores de despesa incluem:

  • Não recolher e repassar contribuições previdenciárias: Mesmo que o recurso seja usado em outro setor, a falta de repasse é uma má gestão e leva à rejeição de contas.
  • Falta de controle de gastos: O tribunal exige controle detalhado de qualquer tipo de gasto (combustível, medicação, etc.). Não ter esse controle adequado é um erro comum que leva à penalização.
  • Extrapolar o limite de gastos com pessoal: Principalmente no Poder Executivo, a prática de ultrapassar o limite de 54% (para o executivo) é recorrente e um dos principais motivos de rejeição de contas, após alertas e multas iniciais do TCE. Nas Câmaras, o limite de 6% é geralmente mais respeitado, pois o TCE julga diretamente as contas da Câmara e é considerado mais rigoroso, especialmente pelos conselheiros substitutos.

O peso jurídico das recomendações do MPPE

As recomendações emitidas pelo Ministério Público de Pernambuco (MPPE) a gestores públicos não possuem poder de decisão ou mando, ou seja, não são legalmente vinculativas. No entanto, elas possuem um peso considerável.

Dr. Júnior Valeriano explica que, ao receber uma recomendação do MPPE, o órgão fiscalizado (seja prefeitura ou câmara) geralmente procura o respaldo jurídico. Se a recomendação tiver fundamento e estiver de acordo com a lei (por exemplo, recomendar a exoneração de parentes contratados em desacordo com súmula do STF), ela é cumprida. 

No entanto, se a recomendação não se aplicar à realidade do município, for inviável financeiramente ou se considerar que o MPPE está extrapolando sua função e tentando “gerir” o órgão, é praxe responder oficialmente ao MPPE justificando o porquê do não atendimento ou do atendimento parcial. É preferível manter um diálogo com o MPPE do que entrar em embate.

Apesar de não serem decisões judiciais, responder a uma recomendação do MPPE ou não cumprir pode levar à instauração de um inquérito civil e, posteriormente, a uma ação judicial, como a de improbidade administrativa. Mesmo que o gestor prove sua inocência no futuro, o processo em si já gera um desgaste e um peso político.

Conselhos para novos gestores

Dr. Júnior Valeriano ofereceu conselhos essenciais para prefeitos, presidentes de câmaras e ordenadores de despesa que estão iniciando suas gestões, visando evitar problemas com os órgãos de controle:

1.  Planejamento: É fundamental sentar com a equipe e planejar todas as ações da gestão. A falta de planejamento é uma causa comum de má gestão e irregularidades.

2.  Equipe Técnica: Montar uma equipe técnica capacitada e eficiente em todas as áreas (saúde, educação, etc.) é crucial. O gestor não precisa saber de tudo, mas deve ter profissionais que possam fornecer as informações necessárias e lidar com as especificidades de cada área.

3.  Transparência e Prestação de Contas: Utilizar as ferramentas de tecnologia e transparência exigidas pela legislação (como a Lei de Acesso à Informação e os portais do TCE) para registrar e divulgar todos os atos e gastos com dinheiro público. Isso facilita o controle tanto pelos órgãos fiscalizadores quanto pela população.

4.  Encorajar a Participação Popular: A população tem um papel fundamental no controle. Os gestores devem incentivar a participação da sociedade em audiências públicas e na fiscalização direta dos serviços e atos públicos.

O Dr. Júnior Valeriano finalizou reforçando a importância da política como ferramenta de transformação social, apesar do descrédito existente. Ele destacou que o controle externo realizado por órgãos como TCE e MPPE é vital, mas a fiscalização mais poderosa vem da própria sociedade quando organizada e consciente de seu direito de acompanhar e cobrar a aplicação dos recursos públicos.

Assita a íntegra da entrevista abaixo:

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